Por que falar sobre direito de tapagem?
Eu acredito que você esteja bastante curioso para saber do que se trata esse tal de Direito de Tapagem. Afinal, não é um nome que se costuma ouvir, inclusive dentro do próprio Direito. Contudo, antes de desvendar esse que pode ser um mistério para alguns, é preciso relembrar o conceito de direito de propriedade e o prestígio que ele encontra dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Antes de mais nada, é importante lembrar que o nosso objetivo aqui na coluna é tratar sobre os diversos aspectos do Direito Imobiliário. Assim, quando o direito de propriedade for abordado por aqui, estar-se-á fazendo referência ao direito real sobre os bens imóveis.
Nesse sentido, para trazer uma noção acerca desse, que é considerado por Luis Antonio Scavone Junior, um direito real por excelência, posto que dele advém todos os demais e cujo rol somente pode receber novos direitos por iniciativa de Lei, vou me valer das próprias palavras do referido doutrinador para dizer que:
O Código Civil não define a propriedade, mas o proprietário, o que faz a partir dos atributos da propriedade. Certo é que a noção de propriedade está insculpida no estudo dos direitos reais do Direito Civil e, não obstante, é também uma garantia constitucional preceituada no art. 5º, inc. XXII da Constituição Federal. Sendo assim, a propriedade nada mais é que o direito real de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa sobre a qual recai, respeitando sua função social. (grifou-se).
Art. 1.228 do Código Civil
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Como se pode perceber, o direito real de propriedade encontra tamanho amparo na legislação que é considerado uma garantia constitucional.
Todavia, tendo em vista o convívio do ser humano em sociedade e com a evolução desta, fez surgir a necessidade de criação de diversas regras de limitação para o exercício desse direito.
De fato, seria um absurdo que todos pudessem exercitar o direito de domínio conforme exerciam os romanos, ilimitadamente, pois conduta desse jaez implicaria o abuso do direito ou seja, que o direito exercido por uns prejudicasse o direito dos demais cidadãos. (SCAVONE, 2018).
São essas limitações impostas ao proprietário, que equivalem ao direito do seu vizinho, e que também estão reguladas no Código Civil, ademais, em capítulo próprio denominado “Dos Direitos de Vizinhança” dos artigos 1.277 a 1.313.
Temas acerca do direito de vizinhança
São temas do Direito de Vizinhança, então, expostos no Código Civil, conforme os respectivos artigos:
- Mau uso da Propriedade (arts. 1277 a 1281).
- Árvores limítrofes (arts. 1282 a 1284).
- Passagem forçada (art. 1.285)
- Passagem de cabos e tubulações. (arts. 1.286 a 1.287 e art. 1.293)
- Águas. (arts. 1.288)
- Limites entre prédios – direito de tapagem. (arts. 1.297 a 1.298)
- Direito de construir. (art. 1.299)
Portanto, pode-se extrair da leitura dos tópicos trazidos acima, o tema central desse breve artigo, qual seja, o Direito de Tapagem.
O que é o direito de tapagem?
Mas, o que de fato é esse direito previsto dentro do rol dos direitos de vizinhança? A fim de não incorrer em erros de definição, pegaremos emprestadas as palavras de outro brilhante civilista, Silvio de Salvo Venosa, que ao discorrer sobre o tema assevera:
Pelo direito de tapagem permite-se ao proprietário “cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural”, de acordo com a lei (art.1.297, primeira parte). Esse mesmo dispositivo regulamenta a forma pela qual se pode estabelecer materialmente a divisa entre prédios. Cuida-se de mais uma restrição ao direito de propriedade que em tese é exclusivo.
No entanto, com a feitura de limites se garante justamente essa exclusividade, embora se estabeleça, na maioria das vezes, comunhão na divisória, qualquer que seja a matéria empregada no linde.
Art. 1.297 do Código Civil
Para melhor compreensão, veja-se, desse modo, a redação do art. 1.297 do Código Civil:
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
§ 1º Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
§ 2º As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.
§ 3º A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.
Conflitos acerca do Direito de tapagem
Uma questão que pode ser ponto de conflito entre os lindeiros é, justamente, a presunção relativa que se encontra prevista no parágrafo primeiro do dispositivo legal supramencionado, isto é, quanto a propriedade dos tapumes utilizados para divisão e meios semelhantes, pois, segundo ele, até que se prove o contrário é de responsabilidade de ambos as despesas de construção, manutenção e conservação das divisórias dos terrenos.
Por isso, o confinante responsável pela obra, poderá pleitear do outro proprietário a sua quota nas despesas, contudo, não será possível essa cobrança quando a construção da divisória tiver ocorrido tão somente por iniciativa de um dos lindeiros, não havendo interesse comprovado do seu vizinho ou, ainda, se realizou obras que se mostrarem desnecessárias ou luxuosas na separação.
Art. 1.328 do Código Civil
Assim, vale lembrar que o artigo 1.328 do Código Civil, ao tratar do condomínio necessário, possibilita ao lindeiro a adquirir meação da parede mediante pagamento da metade do valor atual do muro ou semelhantes e o terreno por ele ocupado.
“Art. 1.328. O proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros, valas ou valados, tê-lo-á igualmente a adquirir meação na parede, muro, valado ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado (art. 1.297)”.
Fica claro, dessa forma, que, como o responsável pode cobrar do outro confinante as despesas que suportou para a construção da separação dos terrenos, também este último poderá adquirir direito de meação da divisória a partir do pagamento do respectivo valor.
Além disso, para a doutrina, as regras aplicadas ao direito de tapagem podem ser estendidas também aos possuidores do imóvel, desde que estes estejam utilizando o bem a título de posse, de tal forma que, dessa maneira, também possam limitar o âmbito da coisa sobre a qual exercem a posse.
Jurisprudência sobre o Direito de Tapagem
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS. DIREITO DE VIZINHANÇA. PRELIMINAR: INOVAÇÃO RECURSAL. OCORRÊNCIA. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE CONHECIDO. MÉRITO: UTILIZAÇÃO DE MURO DIVISÓRIO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. DANO MATERIAL AFASTADO. COMUNICAÇÃO DE CRIME. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. BARULHO PRODUZIDO PELO PORTÃO DA GARAGEM. MERO DISSABOR DA VIDA EM SOCIEDADE. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO. RECURSO DO RÉU PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. […].
5.1. O art. 1.297 do CC disciplina o direito de tapagem, como forma de garantir ou tornar efetiva a exclusividade do domínio pelo proprietário, por meio de ato material tendente a impedir o acesso de estranhos à coisa. Nessa situação, o muro divisório pertence a ambos os proprietários confinantes, os quais se obrigam proporcionalmente a arcar com o dever de conservação. Embora a lei se refira expressamente a proprietário, é razoável e lícito que os possuidores, com o fito de preservar a segurança, o sossego e a privacidade, também exerçam o direito de tapagem (PELUSO, Cezar. Coordenador. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2012, p. 1.309).
5.2. […]. 7. Recurso do autor parcialmente conhecido, em razão de inovação recursal, e desprovido. Recurso do réu conhecido e provido para afastar a condenação por danos morais. Sentença reformada. (TJ-DF – APC: 20140110676159, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 19/05/2016). (grifou-se).
Por fim, após essa breve explanação, pode-se concluir que o legislador, ainda que limitando o exercício desse direito tão importante que é o direito de propriedade, o faz buscando sempre evitar o conflito entre os vizinhos.
Até a próxima.
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