quinta-feira, 23 de julho de 2020

Direito Tributário: relação entre economia, tributação e meio ambiente

Você sabe qual a relação entre economia, tributação e meio ambiente no Direito Tributário? Pois bem este é o assunto em foco nesse artigo. Vamos explanar sobre essas três frentes no jurídico brasileiro e como a constituição prevê a preservação ambiental. 

Vamos começar, portanto, com a maneira como tratamos o meio ambiente e quais os debates globais acerca da preservação.

A coisificação do meio ambiente e os debates acerca da preservação ambiental no Direito Tributário

O modelo econômico capitalista que hoje abrange praticamente toda sociedade mundial é caracterizado por diversas vicissitudes, entre elas certamente estão a industrialização e a alta tecnologia.

Entretanto, é também marcado por uma coisificação do meio ambiente, que é utilizado basicamente como objeto a serviço da atividade econômica. Essa situação tem instaurado uma verdadeira crise ambiental, calcada na degradação, fruto de uma produção e de um consumo exacerbado.

Fatores como a intensificação do processo industrial, explosão demográfica, aumento da produção, consumo desenfreado, urbanização e “modernização” das técnicas agrícolas trouxeram consigo consequências severas como a degradação dos recursos naturais, poluição da água, do solo e do ar, que terminaram por culminar em desastres ambientais cada vez mais rotineiros[1].

Em decorrência dos constantes desastres a temática ambiental tem sido abordada com mais frequência. Inclusive é, por vezes, um dos assuntos mais tratados em encontros estatais internacionais, onde tem-se buscado principalmente estabelecer uma forma diferente de desenvolvimento. Isto é, uma melhora na qualidade de vida da população que garanta a sobrevivência e preservação das diversas espécies de fauna e flora do planeta. Para isso, debate-se também a responsabilidade ambiental e a atuação do Direito Tributário nesse sentido.

Tal perspectiva de responsabilidade ambiental que tem-se difundido entre a sociedade e os representantes do Estado, não se deve a um afloramento de uma percepção de limitação dos recursos naturais, mas principalmente pelo entendimento que um meio ambiente é um bem que deve estar disponível a todas as pessoas de modo indistinto, inclusive numa perspectiva atemporal.

A Constituição Brasileira de 1988

No Brasil, cabe ao Poder Público, e de forma solidária à sociedade em geral, a responsabilidade compartilhada por defender e preservar o meio ambiente. Uma das maneiras de garantir essa preservação se da hoje por meio do Direito Tributário. Essa responsabilização visa garantir o desenvolvimento sustentável no âmbito nacional, conforme definido na Constituição Federal de 1988.

Essa busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, foi alçado pelo legislador originário a categoria de direito fundamental. Mas, para a concretização de um desenvolvimento sustentável depende-se da integração de todo o sistema jurídico. Por isso, é necessária a incorporação de valores e princípios ambientais que sejam capazes de reeducar e transformar a sociedade, visando à sustentabilidade. Assim sendo, esse último ponto é imprescindível para garantia da dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal de 1988 trata-se de um dos textos mais avançados, no que tange à tutela do meio ambiente. Isso porque, para a consecução do princípio da dignidade da pessoa humana, é essencial estabelecer a relação e a premissa da proteção ambiental.

Dessa forma, é possível perceber no texto constitucional brasileiro um projeto de uma nova ordem jurídico-ecológica, capaz de tornar convergentes as agendas social e ambiental por meio de uma adequada regulação constitucional socioambiental, utilizando como auxílio o Direito Tributário.

Nesse sentido, Ingo Sarlet e Fensterseifer ao analisarem a carta brasileira esclarecem que a ordem constitucional brasileira, inaugurada em 1988, é inovadora por escolher um modelo de Estado Socioambiental de Direito que congregue em um único texto a integração de direitos individuais, sociais, ambientais e econômicos e preveja uma interdependência entre eles, de forma a garantir uma sociedade sustentável.[2]

Direito Tributário

Princípio da dignidade humana

Esse constitucionalismo socioambiental é revérbero da difusão de valores ecológicos no espaço jurídico, do Direito Tributário e da Constituição, e político que buscam o desenvolvimento de uma justiça ambiental. Também é consequência da redefinição do princípio da dignidade humana que passa a ser concebido a partir de duas dimensões.[3]

A primeira, consiste na dimensão social da dignidade humana que ressalta um compromisso moral e jurídico do Estado e dos particulares para a construção de uma estrutura político-social que assegure um mínimo existencial social para a vida humana com dignidade.

A segunda, trata-se da dimensão ecológica da dignidade humana que busca compreender e assegurar a qualidade de vida como um todo. Ampliando assim, a dignidade, no sentido de assegurar um padrão de qualidade e segurança ambiental mais amplo.

Dessas duas dimensões da dignidade humana desenvolve-se uma ideia de mínimo existencial ecológica na qual ressalta-se:

Para além dos direitos já identificados doutrinariamente como ‘possíveis’ integrantes da noção de um mínimo existencial (reconhecidamente controversa, a despeito de sua popularidade), como é o caso de uma moradia digna, de assistência social, de uma alimentação adequada, entre outros, é nosso intento sustentar a inclusão nesse elenco da qualidade ambiental, objetivando a garantia de uma existência humana digna e saudável, especialmente no que diz com a construção de um bem-estar existencial que tome em conta também a qualidade do ambiente. [4]

Em resumo, o mínimo existencial ambiental configura-se como um padrão mínimo de qualidade ambiental para a concretização da dignidade de indivíduos e coletividades humanas. Esse padrão de qualidade se relaciona com a economia, como veremos adiante, e é a partir dessa relação que começamos a pensar no papel do Direito Tributário na preservação do meio ambiente.

O conceito de estado Socioambiental e a economia

O conceito de Estado Socioambiental e de mínimo existencial ambiental decorrem essencialmente das diversas disposições contidas no texto constitucional, que tratou do tema em termos amplos e modernos. Primeiramente, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é consagrado no artigo 225, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

No capítulo sobre a ordem econômica no artigo 170, inciso VI, a Constituição determina que o princípio de defesa do meio ambiente de ser observado pelos agentes econômicos privados e estatais. Ao ser elevado ao nível de princípio da ordem econômica, a defesa do meio ambiente tem o efeito de condicionar a atividade produtiva e possibilitar ao Poder Público, interferir drasticamente para que a exploração econômica preserve a fauna e flora[5]. Essa interferência se da por meio do Direito Tributário.

Uma vez que a Constituição estabelece esse novel Estado Socioambiental de Direito, o desafio para a atribuição de efetividade de tal preceito constitucional é que não trate-se unicamente um discurso de boas intenções. Utiliza-se assim, o Direito Tributário como maneira de controle da utilização de bens naturais.

Sobre a interação entre natureza e a economia:

a necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É,na verdade, o grande desafio das políticas econômicas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre o desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da atividade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustado com a conservação dos recursos naturais e com uma melhora efetiva da qualidade de vida da população. [6]

O Direito Tributário e a defesa do meio ambiente

A Emenda Constitucional nº 42 incluiu no artigo 170, inciso VI, que a observância do princípio de defesa do meio ambiente pode se dar mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Dessa forma, a adoção de políticas públicas que estabeleçam o tratamento diferenciado a agentes distintos, conforme sua conduta e respectivo impacto ambiental. Tal autorização permite ao Direito Tributário tratamento diferenciado a certas circunstâncias que venham por bem propiciar um meio ambiente ecologicamente equilibrado. [7]

De fato, uma interpretação sistemática da Constituição indica que o Direito Tributário pode vir a desempenhar um excelente papel na realização dos objetivos constitucionais.

Os tributos produzem efeitos no processo econômico de produção, distribuição e consumo. Dessa maneira, podem ser utilizados pelo Estado para concretização e efetivação de políticas públicas que visem a consecução dos objetivos constitucionais de um Estado Socioambiental de Direito.

Assim, as normas do Direito tributário podem exercer seu papel privilegiando o comportamento desejado ou discriminando o indesejado, perseguindo objetivos extrafiscais[8] que garantam a concretização do direito fundamental ao meio ambiente.

O Direito Tributário como instrumento indutor de comportamentos

Nesse ponto, o Direito Tributário apresenta-se como importante instrumento capaz de ser indutor de comportamentos de agentes econômicos, sendo capaz de influir na proteção do meio ambiente e promover a sustentabilidade, uma vez que, valendo-se das funções fiscal e extrafiscal dos tributos, incentiva condutas que estejam sintonizadas com práticas conscientes e ambientalmente adequadas, compatibilizando-as com o desenvolvimento econômico.

Desse modo, dever-se-ia aproveitar o momento de discussão da reforma no Direito Tributário e tentar consolidar em nosso sistema medidas relacionadas à uma tributação verde que impulsione o desenvolvimento econômico sustentável. Importante ressaltar, que uma tributação verde não significaria uma majoração de alíquotas ou aumento da carga tributária, pelo contrário teria uma finalidade exclusivamente extrafiscal como norma indutora de comportamento.

A PEC 110/2019 do Senado Federal e a PEC 45/2019 da Câmara dos Deputados, são os textos de reforma tributária que encontram-se em tramitação mais adiantadas, embora tratem de simplificação do sistema tributário, ainda não tratam de nenhuma questão ambiental.

Esse seria portanto, o momento de aproveitar uma maior guinada de preocupação pelo Meio Ambiente nas relações econômicas, e tentar aprovar mudanças no Direito Tributário brasileiro que equacione um sistema tributário eficaz e simplificado e que incentive a produção econômica aliada a sustentabilidade ambiental.  


Referências

[1] NASCIMENTO, Luis Felipe; LEMOS, Ângela Denise da Cunha; MELLO, Maria Celina Abreu de. Gestão Socioambiental Estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2018, p. 57.

[2] SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo W. (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 13.

[3] SARLET, Ingo W.; FENSERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 59.

[4] SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo W. (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

[5]AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição, 2005, p. 714.

[6]DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 2007 p. 239

[7] SALIBA, Ricardo Berzosa. Fundamentos do Direito Tributário Ambiental, p. 312

[8] SCHOUERI, Luis Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 204

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