O chamado motor multiválvulas – pode ter de três a cinco válvulas por cilindro, embora o arranjo mais comum seja o com quatro – está no mercado brasileiro há cerca de 30 anos: no início, era até motivo de status, pois equipava modelos esportivos ou sofisticados, que quase sempre ostentavam um emblema “16V” em posição de destaque na lataria. Com o tempo, essa tecnologia foi ficando comum e, hoje, está presente na maioria dos automóveis novos.
A massificação, porém, não afastou certos receios e dúvidas sobre o motor 16V das cabeças de alguns consumidores. Temores em relação à durabilidade e ao custo de manutenção ainda são relativamente comuns, inclusive entre os leitores do AutoPapo, que se manifestam por e-mail e em comentários.
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Mas, afinal, o motor 16V é tão assustador assim? Para esclarecer tal questão, a reportagem consultou três especialistas de diferentes áreas automotivas: um engenheiro, um perito judicial e um mecânico. A conclusão é que esses temores não são totalmente infundados, mas fazem pouco sentido atualmente.
Qual é o objetivo de equipar os motores com mais válvulas?
O engenheiro mecânico Erwin Franieck, mentor de tecnologia da Sociedade de Engenharia Automotiva (SAE Brasil), explica que a vantagem de ter quatro válvulas por cilindro é permitir que o motor tenha maior eficiência energética.
É que, com mais válvulas, é possível ter melhor admissão da mistura ar-combustível, aumentando o rendimento. A utilização de mais válvulas em cada cilindro, de acordo com Franieck, permite troca de ar mais rápida e melhor aproveitamento de espaço na câmara de combustão.
Franieck chama a atenção para o fato de que a maioria dos novos motores que têm chegado ao mercado utilizam essas tecnologias. Ele cita, inclusive, as unidades 1.0 de três cilindros que equipam muitos dos veículos compactos atuais. Nesse caso, porém, são 12 válvulas, e não 16, mas o princípio de ambos é o mesmo: utilizar quatro válvulas por cilindro (duas de admissão e duas de escape).
“Eficiência é uma tendência global, devido às restrições cada vez maiores às emissões de poluentes. Eu acredito que num futuro relativamente próximo todos os motores terão quatro válvulas por cilindro com comandos variáveis”, afirma o engenheiro. Isso porque, com essas tecnologias, é possível fazer com que os motores trabalhem nos ciclos Miller ou Atkinson, em vez do Otto, como já ocorre em alguns veículos híbridos.
O engenheiro destaca que a durabilidade do conjunto mecânico não tem qualquer relação com o número de válvulas e que, nas manutenções de rotina, essa característica não implica em despesas extras. Porém, pondera que o serviço de troca da correia dentada é mais complexo em modelos equipados com comandos de válvulas variáveis.
Por que as pessoas temem o motor 16V?
Para o perito judicial na área automobilística Sérgio Melo, que tem formação como engenheiro mecânico e já foi proprietário de uma oficina, os temores advém de décadas passadas. “Os motores com correia dentada começaram a ficar mais comuns pouco antes da chegada das 16 válvulas. Então, não existia essa preocupação em trocar a correia, que acabava se rompendo”, diz.
Melo lembra que, até a década de 1990, ainda eram comuns motores com comando no bloco e acionamento das válvulas por varetas. Nesse tipo de arquitetura, menos eficiente do ponto de vista energético, não há correia de sincronização e, portanto, tampouco há necessidade de trocá-la.
O perito judicial pontua que, em casos mais raros, a correia dentada tinha a vida útil abreviada e rompia-se após ser contaminada por óleo, proveniente de algum vazamento, ou por pó de minério, em veículos que circulam muito em vias sem pavimentação. Quando esse componente se parte, é comum que a cabeça dos pistões colida contras as válvulas, danificando-as gravemente.
O rompimento por falta de manutenção preventiva ou por contaminação pode acontecer independentemente de quantas válvulas existirem em cada cilindro. “Mas, naquela época, o serviço para retificar um cabeçote 16 válvulas era custava o dobro do preço de um de oito”, relata Melo.
Tanto um motor 16V quanto um similar 8V, segundo o perito judicial, funcionam perfeitamente bem. Porém, ele destaca que, devido à maior simplicidade técnica, a mecânica com duas válvulas por cilindro pode ser mais adequada para determinados consumidores, como residentes de zonas rurais distantes dos centros urbanos. Nesses locais, é mais fácil mantê-la, pois há dificuldade em encontrar mão de obra capacitada.
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Carros com fama de robustez têm motor 16V
Para o mecânico Jáder Soares do Amaral Júnior, sócio-proprietário da oficina multimarcas Afinauto, localizada em Belo Horizonte (MG), o motor 16V não assusta mais. Porém, recorda que os primeiros veículos equipados com esse tipo de tecnologia tinham a manutenção mais complicada.
“Os carros 16 válvulas mais antigos tinham cabeçotes muito grandes e pesados, o que dificultava a troca da correia e até o acesso a alguns periféricos. Mas isso era no passado”, esclarece.
Júnior recorda ainda que esses propulsores mais antigos tinham bom desempenho em altas rotações; porém, em regimes mais baixos, havia pouco torque disponível. Nas unidades com oito válvulas, o rendimento era justo o contrário, o que as tornava mais agradáveis de conduzir em cidades.
Contudo, o mecânico reitera que esses inconvenientes ficaram para trás. Ele aponta que os motores 16 válvulas atuais têm cabeçotes compactos e leves, que ocupam pouco espaço sob o capô. Além disso, tornaram-se comuns no mercado projetos que utilizam corrente de sincronização, que não exige troca periódica, ou ainda correias de alta durabilidade, cuja substituição só precisa ser feita aos 100 mil quilômetros ou mais.
Quanto ao desempenho, sistemas de alimentação de combustível mais eficientes e comandos de válvulas e de admissão variáveis otimizaram o rendimento em todas as faixas de giro, inclusive em baixa rotação.
Para ratificar seus argumentos, Júnior pondera que alguns automóveis que têm fama de manutenção simples e barata são equipados com motores de 16 válvulas desde que chegaram ao Brasil. Como exemplos, cita o Toyota Corolla e o Honda Fit: “você não vê pessoas com medo desses carros”, conclui.
Histórico
A aplicação de quatro válvulas por cilindro em motores experimentais ou voltados a competições ocorre desde a década de 1910. Porém, os primeiros automóveis produzidos em série a contar com essa solução mecânica foram os ingleses Jensen Healey, em 1972, e Triumph Dolomite Sprint, em 1973. Nos anos de 1980, essa solução já era comum nos mercados europeu, estadunidense e japonês.
Carros com motor 16V só começaram a chegar ao Brasil em 1990, quando ocorreu a abertura às importações. Em 1993, o Fiat Tempra foi o pioneiro entre os modelos nacionais na utilização dessa tecnologia. No fim daquela década, praticamente todos os fabricantes instalados no país já adotavam as quatro válvulas por cilindro em pelo menos parte da linha de produtos.
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