Todos sabemos que a advocacia é aquela profissão ou, diria, vocação, que quanto mais o tempo passa, melhor ela fica. E por quê? Porque nós, advogados e advogadas, lidamos diariamente com conflitos humanos, desde de criminal até direito de família. É nesse caminho, que a experiência, a maturidade cronológica e o conhecimento são elementos importantes na condução desses conflitos.
Quando se trata de advocacia na área de família, essa maturidade ainda é mais importante. O direito de família não é um direito complexo e de difícil compreensão. Do ponto de vista dogmático, ousaria a dizer que o sistema jurídico-normativo familiarista é de fácil compreensão e obedece a uma certa lógica cultural das famílias brasileiras. Isto é, o sistema jurídico normativo busca citar a nossa realidade, pois o direito é feito para as pessoas. Assim sendo, é natural que esse seja reflexo do pensamento social de certa época.
Teoria tridimensional do direito
A teoria tridimensional do Direito elaborada pelo jusfilósofo Miguel Reale em 1968 que classifica o Direito como sistema jurídico através do aspecto axiológico (valor) ou seja, os valores buscados pela sociedade, como a Justiça; e do aspecto normativo (norma). Ou seja, o aspecto de ordenamento do Direito considera o Direito (a norma) como o produto dos anseios sociais de um dado momento. Revela-nos que as regras positivadas hoje que constituem o direito de Família revelam os valores escolhidos pelas famílias brasileiras. Comparando a outros sistemas jurídicos, o Brasil protagoniza institutos progressistas quando o assunto é reconhecimento social de formações familiares.
Para Miguel Reali, existe uma dialética decorrente da interrelação dos fatos sociais e valores, os quais estão constantemente relacionados na sociedade de maneira irredutível (polaridade) e mediante mútua dependência (implicação).1
Mudanças no direito de família após a década de 70
O direito de família, apesar da baixa complexidade do sistema normativo, remanesceu inalterado por muitas décadas. Isto pois, a predominância de sua sociedade também apresentava valores patriarcais, patrimonialistas e individualistas. Todavia, no Brasil, após a década de 70, com a Lei do Desquite, o direito de família começou a sofrer uma abertura para os novos valores sociais. Isto é, essa área do direito foi profundamente impactada pelas conquistas da independência da mulher, em relação ao casamento e a vida profissional.
É justamente por regular as relações mais importantes que o indivíduo pode ter, que o Direito de Família precisa ser contemporâneo aos anseios dos sujeitos de direitos.
Por ter passado muito tempo para ser repensado e modificado, o Direito de Família avança de forma rápida, sacudindo dogmas e escancarando uma realidade social que dificilmente um ordenamento será capaz de absorver de uma vez. Essa é a razão pela qual há uma produção jurisprudencial e doutrinária intensa em matéria de família, dada a velocidade com a qual a dinâmica da vida das pessoas acontece e necessita de regulação judicial.
O papel do advogado no Direito de Família
Além da mudança no Direito de Família, os advogados e advogadas da área de família necessitam de uma formação além do jurídico e suas constantes decisões. O advogado familiarista precisa investir em cursos para desenvolver sua capacidade de negociação em conflitos familiares, habilidades de compreensão de linguagem verbal e comunicação não violenta. Também precisa estudar sobre estados emocionais e estados psicológicos, e programação neurolinguística. Enfim, ter um olhar para o conflito diferenciado que outras áreas demandam.
É na advocacia de Direito de Família que estamos lidando com o ser humano no seu momento mais delicado(divórcio, disputa de bens, guarda de filhos, necessidade alimentar, morte, etc). Por essa razão, a necessidade de um profissional com uma abordagem muito mais refinada intelectualmente que os bancos da faculdade ou especializações jurídicas podem oferecer.
Exemplificação a atuação do advogado familiarista
Um bom exemplo disso é retratado no filme “História de um Casamento”, produzido pela Netflix em 2019. O filme tem como roteirista e diretor Noah Baumbach, e protagonistas Scarlett Johansson e Adam Driver.
O filme é um drama que envolve as pessoas num momento de separação física, com ênfase no divórcio judicial. Nicole e Charlie, pais de um menino, enfrentam uma separação confusa e complicada, cheia de negações e atitudes infantis. Durante a trama, os protagonistas revisitam com frequência os motivos pelos quais se aproximaram e também se separaram. Muito semelhante com o que vemos no quotidiano da advocacia familiarista.
As primeiras cenas são da leitura de cartas de amor em que cada um descreve o lado positivo do parceiro. Depois o filme se desenrola com a separação dos protagonistas e o conflito de ambos para se adaptar à rotina do filho. É importante destacar os esforços do pai em ficar com o filho em outra cidade e, além disso, conseguir um bom advogado. Essa é a parte que nos interessa.
Depois que o casal conclui que não conseguiria resolver seu divórcio sem advogados, buscam por procurar profissionais que o auxiliem a conduzir seus destinos.
Todo advogado de família deveria assistir esse filme, pois retrata, além dos conflitos familiares e de casal, diferentes tipos de advogados. Veja a seguir.
Tipos de advogados de direito de família segundo o filme “história de um casamento”
O filme aborda três tipos de advogados:
Nora Fanshaw(Laura Dern): conhecida e bem sucedida, Nota é uma advogada acolhedora e envolvente com sua cliente Nicole. Mas, é também desmedida na atuação processual por sua forma agressiva em lidar com divórcios. Nora é conhecida por conseguir tudo que seus clientes precisam (mas não necessariamente querem);
Bert Spitz (Alan Alda): Primeira escolha de Charlie (marido), Bert se revela como um senhor pacato, resignado e que tem a postura de ceder em relação aos apelos da Nora, advogada agressiva da Nicole. Ele perde a confiança do seu cliente, seja pela estrutura de escritório que se revela antiga e desatualizada e pela falta de acolhimento dos interesses e direitos do seu cliente que se sente inseguro e incapaz de lutar para ter seu filho no convívio. Este advogado claramente pede para ele se conformar com a “situação” posta.
Jay Marotta (Ray Liotta): Advogado escolhido posteriormente também se revela agressivo e pragmático na forma de cobrar (como não ser), de estabelecer as premissas do trabalho e impaciente com os “dramas” de Charlie que demonstra nem saber direito o que deseja. Jay é firme, pragmático, contundente e, além disso, consegue dialogar em pé de igualdade com Nora.
Por fim, ambos acabam conseguindo direitos para seus clientes, mas, percebemos que nenhum dos dois ficaram satisfeitos com o plano final de divórcio.
Insights do filme acerca do direito de família
Em resumo, vale muito a pena assistir ao filme e extrair de cada profissional apresentado habilidades, insights e perspectivas de abordagem que funcionam ou não, principalmente no que diz respeito ao atendimento do real interesse das partes envolvidas e suas emoções.
Na minha opinião, fossem bem conduzidos pelos advogados, através de uma mediação estruturada com clareza de procedimentos e objetivos, o casal não teria se divorciado. Isto porque, eles se amavam e tinham elementos emocionais para resgatar a família em desconstrução.
O filme é muito bom e traz várias outras perspectivas interessantes de analisar. Traz ainda uma visão sensível de que famílias são laços afetivos fortes que devem permanecer atados e, nós, advogadas e advogadas, somos responsáveis por conduzir não só processos, mas emoções densas, conflituosas e acima de tudo famílias e histórias que se despedaçam em meio a artigos, normas e precedentes que estão longe de acolher o verdadeiro interesse das partes.
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