O Ministério Público Federal, em conjunto com o Ministério Público de Minas Gerais, ingressou com ação civil pública contra a General Motors, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e a União, devido ao problema de segurança apresentado pelo automóvel Chevrolet Onix, o carro popular mais vendido no país. O objetivo é obrigar a fabricante a realizar recall dos Onix lançados no mercado brasileiro a partir de 2012.
Isso para que os veículos ofereçam as mesmas características de segurança preconizadas pelo Programa de Avaliação de Carros Novos para América Latina e Caribe (Latin NCAP).
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Do seu lançamento, no fim de 2012, até outubro de 2018, a Chevrolet vendeu mais de um milhão de unidades do Onix, obtendo receita de aproximadamente R$ 8,3 bilhões por ano. Em 2019, a performance se repetiu, com o Onix ocupando, pelo quinto ano consecutivo, o posto de veículo mais vendido no Brasil: foram comercializadas 241.214 unidades, mais que o dobro do segundo colocado.
A questão é que, segundo os Ministérios Públicos (MPs), tal modelo recebeu, em 2017, nota zero em um teste de segurança que avaliou a proteção de seus ocupantes em caso de ocorrência de impactos laterais.
“A deficiência desse modelo é tão gritante, que, quando da realização do teste, sua porta traseira se abriu, comprovando-se o alto risco para seus ocupantes, especialmente crianças. Além disso, apuramos que o modelo comercializado no Brasil não cumpre a regulação de proteção contra impacto lateral básica das Nações Unidas [UN95], sendo que o modelo equivalente da GM vendido na Europa e nos Estados Unidos tem resultados muito melhores de segurança do que o disponibilizado em nosso país.
Os testes demonstraram que o Onix brasileiro não seria aprovado pela regulação da ONU, nem pela Norma Federal de Segurança Veicular dos Estados Unidos; ou seja, ele sequer poderia ser vendido naqueles países”, afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves.
Justificativas para o pedido de recall do Onix
Durante a investigação, o Ministério Público pediu informações à GM do Brasil, à Associação Nacional de Consumidores-Proteste, parceira da Latin NCAP no Brasil, e à Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça.
Em resposta, a General Motors alegou que o veículo atende todas as especificações legais de segurança veicular exigidas no Brasil pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e pelo Denatran. Afirmou, ainda, que os testes realizados pela Latin NCAP não significam que o veículo é inseguro, mas que, com a nova Norma Brasileira de Ensaios de Impacto Lateral ABNT NBR 16204-1, publicada em 2013 e com validade a partir de 2018, atenderá os requisitos previstos na regulamentação.
A Latin CAP, por sua vez, ponderou que seus critérios têm os mesmos níveis de lesões em passageiros que os critérios utilizados pelas normas da ONU. Segundo a Latin CAP, tal norma prevê que o desempenho do tórax deve ser menor que 42 mm, sendo que no teste foi de 45,32 mm; em outro teste torácico, o desempenho deve ser menor que 1.0 mm/seg, enquanto que no Onix foi de 1.1 mm/seg, e acrescentou que em hipótese alguma a porta poderia abrir-se durante o teste, como ocorreu com a porta traseira do Onix.
A Secretaria Nacional do Consumidor disse que a competência para autorizar a comercialização de veículos em território brasileiro é do Denatran e que a Latin NCAP é instituição privada, com critérios próprios de avaliação de segurança dos veículos.
Para os MPs, no entanto, o que se percebe é que, desde 2012, a GM do Brasil colocou no mercado brasileiro veículo impróprio e inadequado para uso, que contribuiu e ainda contribui para a ocorrência de inúmeros acidentes com consequências irreversíveis.
Embora a montadora alegue que seus veículos nunca estiveram em desconformidade com os padrões de seguranças impostos pelos órgãos controladores, após o questionamento feito pelo Ministério Público, ela alterou a estrutura das laterais desse modelo, e, em 2018, após nova avaliação, recebeu nota três da Latin CAP.
Ou seja, é “evidente que a montadora sabia da periculosidade que esses automóveis proporcionam aos seus proprietários, e foi por essa razão que alteraram suas características, para que fosse minimamente resistente a impactos laterais. Mas o fato é que os automóveis vendidos antes dessa alteração continuam circulando pelas ruas, com risco iminente para seus ocupantes, pois eles não contam com dispositivos de absorção de energia dos impactos laterais em sua estrutura”, afirma o promotor de Justiça Fernando Martins.
Cléber Neves acrescenta que “Milhares de pessoas encontram-se desprotegidas, sem ao menos saber dessa característica negativa dos carros que estão em suas mãos. E, do ponto de vista legal, o que temos são violações ao Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, ao artigo 10, que impede o fornecedor de colocar no mercado produto ou serviço que sabe, ou deveria saber, que apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança do consumidor”.
É diante deste cenário que a ação pede que a Justiça Federal determine a realização de recall em todos os veículos Onix em circulação, para que seja possível sanar ou mitigar com urgência suas impropriedades.
“O direito à informação e o direito à segurança estão entre os direitos básicos dos consumidores, previstos na Lei 8.078/1990. Assim, o recall diz respeito ao chamamento pelo qual o fornecedor informa ao público e eventualmente convoca os interessados para sanar defeitos encontrados em seus produtos ou serviços”, destacam os autores da ação, acrescentando que “caso haja prejuízo físico ou moral em virtude do defeito apresentado, a responsabilidade é unicamente do fornecedor”.
Omissão estatal e recall do Onix Os autores ainda destacam o papel omisso do Estado brasileiro e da própria legislação quanto ao assunto. Segundo eles, a legislação brasileira é omissa e ineficaz, porque as “normas não impõem todos os testes necessários, nem mesmo seguem padrões internacionais, tais como os sugeridos pela ONU. Também não há fiscalização efetiva ou sanções aos fornecedores que não observam as normas de forma correta”.
Considerando que cerca de 35% do valor de cada veículo diz respeito a tributos arrecadados pelo Estado, percebe-se que, somente com a venda do Onix, o governo arrecade mais de R$ 2 bilhões por ano, sem mencionar outros tipos de receitas indiretas, como IPVA, pagamento de eventuais multas e os impostos incidentes sobre combustíveis.
Segundo o Ministério Público, a omissão estatal deriva exatamente disso: “O Onix é uma máquina fabulosa de dinheiro”. E Contran e Denatran não tomam providências, porque eventuais acidentes e mortes causados pelo defeito do carro irão custar menos. “A conclusão parece macabra, mas é puramente econômica”, lamentam os autores da ação, exemplificando com um fato ocorrido nos Estados Unidos, quando a GM descobriu um problema na ignição de seus veículos.
Alguns modelos simplesmente desligavam sozinhos, com o carro em movimento, o que causou a morte de aproximadamente 121 pessoas por causa desse defeito. Mas, ao invés de retirar os veículos de circulação, a montadora que, supostamente sabia do defeito, ignorou-o, porque o custo do recall seria maior do que os gastos com eventuais indenizações.
“É assim que o mercado se comporta, e é para isso que – em tese – temos o Estado, que deveria proteger seus cidadãos”, afirma o Ministério Público, para indagar: “Quantas pessoas vão ajuizar ou já ajuizaram ações de indenização em face da Chevrolet, considerando apenas aqueles que possuem um Onix? E das que demandarem, quantas vão ganhar e quantas vão perder? O custo das eventuais indenizações vai superar a marca de R$ 8 bilhões faturados anualmente com a venda do Onix? É óbvio que não”.
Para o Ministério Público, “a Chevrolet, sem que o Estado nada faça a respeito, continua vendendo o malfadado veículo, só que a partir de fevereiro de 2018, por mera liberalidade e benevolência, fez ‘ajustes’ em seu sistema de proteção lateral, justamente o ponto apontado como deficitário e detentor da nota zero na avaliação da Latin CAP. Mas e quanto aos veículos produzidos de 2012 a 2017? E quanto aos riscos que os proprietários desses veículos estão correndo?”
Pedidos da ação
Entre os pedidos da ação, destaca-se, portanto, o de que a Justiça Federal determine a realização, pela General Motors do Brasil, de recall em todos os veículos Onix produzidos desde o fim de 2012, convocando-se os proprietários pela imprensa, mediante inserções em jornais, rádios e TV de alcance nacional, para que levem seus automóveis para a concessionária mais próxima a seu domicílio, onde serão realizados os reparos necessários nas laterais do veículo de forma completamente gratuita.
Outra solicitação é para que a União, por meio do Contran e Denatran, seja obrigada a alterar a legislação brasileira de segurança veicular, de modo a enquadrá-la nos parâmetros internacionais da ONU (UN95), no prazo de 60 dias.
Foi pedido também que o Denatran apresente, em até 90 dias, laudo técnico apontando se os veículos modelo Onix da General Motors do Brasil, desde o ano de seu lançamento, foram fabricados em conformidade com os projetos apresentados pela montadora e aprovados pelo órgão.
Por fim, a ação pediu que General Motors do Brasil seja obrigada a indenizar o dano moral coletivo, em percentual mínimo não inferior a 5% do faturamento bruto total obtido com a venda de veículos Onix desde 2012.
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