Ao sair do imóvel alugado, desligue a luz: deveres do locatário pela Lei do Inquilinato
A celebração de um contrato de locação faz surgir uma série de obrigações tanto para o locador como para o locatário. E a própria Lei do Inquilinato, prevê algumas das responsabilidades que cabem a cada uma das partes participantes desse tipo de relação.
Dessa forma, analiso agora algumas dessas obrigações previstas na Lei de Locações e seus reflexos jurisprudenciais.
Quais são os deveres do locatário
No caso do locatário, os seus deveres estão dispostos no art. 23 da Lei do Inquilinato. Destaque-se, portanto, a sua redação:
Art. 23. O locatário é obrigado a:
I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato;
II – servir se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu;
III – restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;
IV – levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba, bem como as eventuais turbações de terceiros;
V – realizar a imediata reparação dos danos verificados no imóvel, ou nas suas instalações, provocadas por si, seus dependentes, familiares, visitantes ou prepostos;
VI – não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador;
VII – entregar imediatamente ao locador os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como qualquer intimação, multa ou exigência de autoridade pública, ainda que dirigida a ele, locatário;
VIII – pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto;
IX – permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como admitir que seja o mesmo visitado e examinado por terceiros, na hipótese prevista no art. 27;
X – cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos;
XI – pagar o prêmio do seguro de fiança;
XII – pagar as despesas ordinárias de condomínio. (grifou-se)
Obrigações na Lei de Locações
Como pode se ver, então, a partir da leitura do art. 23 da Lei do Inquilinato, a lista de deveres do locatário é um tanto quanto extensa. É importante lembrar, contudo, que esse rol não é exaustivo. Ou seja, existem outras obrigações além dessas já citadas, as quais estão distribuídas nos demais dispositivos da Lei de Locações.
Ademais, outras obrigações que também podem ser livremente estipuladas pelas partes, tendo em vista o prestígio que encontra o princípio da autonomia da vontade no Direito brasileiro, segundo o qual as cláusulas de um contrato fazem lei entre os contratantes e que é aplicável nesse tipo de pacto.
Tamanha é a importância do cumprimento das regras previstas na Lei e no contrato de locação, que a eventual infração legal ou contratual é passível, assim, de resolução da relação existente entre o locador e o locatário, por meio do despejo.
Feitas essas breves considerações, destaca-se, nesse momento, o dever do locatário de promover o pagamento das despesas de telefone e de consumo de luz e gás, água e esgoto, as quais nada mais são do que gastos provenientes do uso do imóvel.
Deveres relativos à energia elétrica pela Lei do Inquilinato
Quanto ao consumo de energia elétrica, especificamente, apesar de tal obrigação estar prevista na Lei do Inquilinato, mostra-se essencial a transferência da titularidade no início do contrato de locação ou o desligamento do fornecimento do referido serviço essencial quando ocorrer a devolução do imóvel alugado.
Isso porque a obrigação para com a concessionária de serviço público caracteriza-se como um vínculo pessoal que onera o titular da fatura e não o imóvel no qual encontra-se instalada a unidade consumidora, posto que o fato gerador do dever de pagar não é determinado pela qualidade de proprietário do bem, mas sim pela utilização do serviço público.
Entendimento jurisprudencial à luz da Lei do Inquilinato
O entendimento da jurisprudência brasileira é pacificado nesse sentido, veja-se:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INADIMPLEMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE DO USUÁRIO. INTERRUPÇÃO. DÍVIDA PRETÉRITA. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, independentemente da natureza da obrigação (se pessoal ou propter rem), o inadimplemento é do usuário, ou seja, de quem efetivamente obteve a prestação do serviço, de modo que o atual usuário ou proprietário não pode ser responsabilizado por débito pretérito relativo ao consumo de energia de usuário anterior.
Nesse sentido: AgRg no Ag 1.107.257/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º/7/09. 2. (…).
(STJ – AgRg no REsp: 1381468 RN 2013/0133400-5. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data de Julgamento: 06/08/2013. Primeira Turma). (grifou-se)
Nesse sentido, salienta-se que não é lícito à concessionária interromper os serviços de fornecimento de energia elétrica por dívida antiga, com o intuito de recuperar o consumo, para tanto esta deverá buscar outros meios legítimos de cobrança de débitos antigos e não pagos.
Resolução 414/2010 da ANEEL
A propósito, além do disposto na Lei do Inquilinato e pela jurisprudência, a Resolução nº 414/2010 da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, dispõe que “a distribuidora não pode condicionar os atendimentos de ligação ou alteração da titularidade e ao pagamento de débito não autorizado pelo consumidor ou de débito pendente em nome de terceiros”. (§ 1º, art. 128)
Apenas nas hipóteses previstas no mesmo artigo 128, as quais devem ocorrer cumulativamente, é que a distribuidora pode condicionar a prestação de serviço à quitação da dívida, quais sejam:
- quando a distribuidora comprova a aquisição por parte de pessoa jurídica, à exceção das pessoas jurídicas de direito público e demais excludentes definidas na legislação aplicável, por qualquer título, de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional; e
- diante da continuidade na exploração da mesma atividade econômica, sob a mesma ou outra razão social, firma ou nome individual, independentemente da classificação da unidade consumidora.
Tal impossibilidade também já foi reconhecida pela jurisprudência, conforme a ementa abaixo:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXISTÊNCIA DE DÉBITO PRETÉRITO DE EX-INQUILINO. VÍNCULO OBRIGACIONAL QUE NÃO SE ESTENDE AO IMÓVEL TAMPOUCO AO SEU LOCADOR. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE DÉBITO DE TERCEIRO, BEM COMO DE CONDICIONAMENTO DA RELIGAÇÃO DA ENERGIA À QUITAÇÃO DA DÍVIDA. TELAS SISTÊMICAS QUE SÃO INCAPAZES DE ILIDIR AS ALEGAÇÕES DA PARTE AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 4º, § 2º DA RESOLUÇÃO ANEEL Nº 456/2000. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
Recurso conhecido e desprovido.
(TJPR – 3ª Turma Recursal – 0000520-37.2014.8.16.0037 – Campina Grande do Sul – Rel.: Juiz Siderlei Ostrufka Cordeiro – J. 08.08.2017). (grifou-se)
Cláusula de obrigação: precauções ao término da locação
Denota-se do julgado mencionado acima, enfim, que a interrupção no fornecimento desse serviço essencial por parte da distribuidora em razão de débitos anteriores, pode gerar, inclusive, a condenação desta ao pagamento de indenização por dano moral causado ao usuário atual.
Vale lembrar, ainda, que o prazo máximo de cobrança de faturas de energia elétrica em atraso é de 60 meses (Resolução nº 414/2010 da ANEEL, § 2º, art. 128).
Por fim, diante de tudo o que foi abordado aqui, sobre Lei do Inquilinato, jurisprudência e Resolução 414 da ANEEL, é possível concluir que, para evitar dor de cabeça em relação a esse assunto, é considerado prudente que seja inserido no contrato de locação uma cláusula que preveja a obrigação do locatário de promover a transferência da titularidade do fornecimento de energia para o seu nome durante a vigência da contratualidade, sob pena de configurar infração contratual.
Por outro lado, cabe ao locatário, ao desocupar o imóvel alugado, tomar o cuidado de se desvincular de tal obrigação, a fim de impedir a cobrança posterior em seu nome.
Até a próxima.
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