domingo, 14 de junho de 2020

Competência para a análise do estado de miresabilidade jurídica do condenado em Processo Penal

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que em se tratando de ação penal pública, compete ao Juízo da Execução Penal a análise do estado de miresabilidade jurídica do condenado, visando à concessão do benefício de gratuidade da justiça[1].

Esse posicionamento foi adotado no seguinte julgado: “[…] 1. Rever os fundamentos utilizados pela Corte a quo, para concluir pela absolvição dos acusados e a inexistência de qualquer potencial lesivo à vida ou patrimônio indeterminado de pessoas, desclassificando a conduta de crime de incêndio qualificado para o delito de dano qualificado, como requer a parte recorrente, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ. […] 2. A concessão do benefício da gratuidade da justiça não exclui a condenação do Acusado ao pagamento das custas processuais, mas tão somente a suspensão da sua exigibilidade pelo prazo de cinco anos. Ademais, a análise da miserabilidade do Condenado, visando à inexigibilidade do pagamento das custas, deve ser feita pelo Juízo das Execuções (AgRg no AREsp n. 1371623/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 30/4/2019). […] 3. Não é possível em recurso especial analisar o pedido de justiça gratuita que visa suspender, desde já, a exigibilidade do pagamento das despesas processuais, uma vez que o momento adequado de verificação da miserabilidade do condenado, para tal finalidade, é na fase de execução, diante da possibilidade de alteração financeira do apenado entre a data da condenação e a execução do decreto condenatório (AgRg no REsp 1699679/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 6/0/2019, DJe 13/8/2019). […].[2]

O Princípio do Acesso à Justiça confere efetividade aos interesses mais valiosos da sociedade, garantindo a preservação da democracia e a construção de uma justiça mais humana, acessível e desburocratizada.

Ruy Portanova, citando Mauro Capeletti, destaca que o princípio do acesso à justiça desdobra-se em três diretrizes. Primeiramente, pressupõe a necessidade de se eliminar a barreira econômica que impede os pobres de acessar a justiça. Assim, exige a criação de sólidas políticas de assistência judiciária custeadas pela sociedade. Num segundo sentido, o acesso à justiça impõe o reconhecimento da importância da proteção aos interesses difusos, recomendando a amplificação dos instrumentos de proteção desses direitos. Em terceiro lugar, o princípio do acesso à justiça recomenda a diminuição da burocracia e do formalismo desnecessário, facilitando o acesso ao Judiciário e, consequentemente, promovendo a prestação jurisdicional mais célere[5].

Segundo Ivan Aparecido Ruiz, “O Acesso à Justiça pode e deve ser entendido como princípio, pois é um mandamento nuclear e fundamental que informa todo o ordenamento jurídico. Aliás, o novo Código de Processo Civil de 2015, utiliza, por duas vezes, a locução “Acesso à Justiça” nesse sentido, ao tratar da cooperação jurídica internacional e da petição inicial, estando elas previstas no art. 26, II, e ar. 319, §3º.[6]

Todo sujeito de direito, pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar despesas processuais (em sentido amplo) tem direito à gratuidade da justiça, desde que preenchidos os pressupostos legais, nos termos do art. 98, caput, do Código de Processo Civil.

Em linhas gerais, se considera necessitada qualquer pessoal que não possa pagar as despesas relacionadas ao processo sem que isso prejudique a sua subsistência. Vale dizer, é necessitada a pessoa que não tem recursos para custear sua subsistência e ao mesmo tempo pagar despesas processuais. Nessas situações o pagamento de custas e despesas processuais, em sentido amplo, implicaria falta de recursos para pagamento de despesas pessoais básicas, como alimentação, vestuário e moradia.

O art. 10, da lei nº 1.060/1950, que trata da concessão de assistência judiciária aos necessitados, prevê que os benefícios da assistência judiciária são individualmente concedidos, de acordo com as condições pessoais e atuais do requerente.

No mesmo sentido, o § 6º, do art. 99, do Código de Processo Civil, indica que o direito à gratuidade da justiça é pessoal e não se estende ao litisconsorte ou ao sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.

Como a análise da concessão ou revogação dos benefícios da gratuidade levam em conta a situação socioeconômica atual e individual do beneficiário, é recomendável que a avaliação dos pressupostos seja feita pelo juiz que tenha mais proximidade com o suporte fático.

Assim, a competência para deliberar sobre o direito aos benefícios da gratuidade será do juiz responsável pelo processo em que o requerente do benefício intervenha ou figure como parte. Nos processos executivos, portanto, é o juiz da execução que terá competência para verificar as condições socioeconômicas do requerente e, por conseguinte, decidir sobre o requerimento da gratuidade.

A despeito do exposto, é relevante apontar, ainda que o Código de Processo Civil prevê que a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência. Assim, se o beneficiário da justiça gratuita for sucumbente, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão apenas com a exigibilidade suspensa, até que cessem as causas que justificaram a concessão do benefício. Cessadas essas causas, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão concessiva do benefício, o credor poderá pretender a cobrança dos mencionados valores, provando a cessação da condição de pobreza. Esgotado o prazo de 5 (cinco) anos, contudo, serão extintas definitivamente as obrigações do beneficiário (art. 98 do CPC).

[1] Jurisprudência em Teses – Edição nº 148.

[2]  AgRg no AREsp 1601324/TO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 28/02/2020.

[3] É necessário que esse acesso tenha como produto uma prestação jurisdicional justa. Abrir as portas para a escuridão é o mesmo que dar a visão ao cego e mantê-lo em uma sala escura. A porta serve para que se tenha acesso a algo, neste caso a Justiça.

[4] Op. cit.

[5] RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://ift.tt/2N0doDo.

 


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