Todos os sujeitos de direito, com ou sem personalidade jurídica, brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil, são titulares dos direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal, inclusive a garantia de acesso à justiça[1], além da assistência jurídica integral e gratuita, se for necessitado.
Em alguns casos a Constituição confere vantagens especiais a alguns brasileiros, a exemplo dos brasileiros natos, que não podem ser extraditados nem mesmo por envolvimento com tráfico de drogas. Os brasileiros naturalizados podem ser extraditados por crime comum praticado antes da naturalização ou por envolvimento com o tráfico de drogas. Independentemente da condição de brasileiro nato ou naturalizado, em algumas hipóteses a Constituição estabelece restrições para o exercício de determinados direitos, como é o caso da ação popular, cuja propositura só pode ser feira por cidadão, em pleno gozo de direitos políticos. Outros direitos constitucionais prestigiam categorias específicas de pessoas, a exemplo dos índios, das mulheres, dos eclesiásticos, dos pobres etc. São estabelecidas também diferenças entre ricos e pobres, como nos casos da assistência jurídica gratuita aos que provarem insuficiência de recursos, da gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito aos reconhecidamente pobres[2].
Os estrangeiros também são destinatários de normas constitucionais específicas, como é o caso da vedação de extradição por crime político ou de opinião. Segundo o inciso LII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião. Esses são apenas alguns exemplos de tratamentos normativos diferenciados na própria Constituição Federal.
Com relação aos estrangeiros, é oportuno lembrar que não há consenso sobre os direitos e garantias constitucionais de estrangeiros não residentes no Brasil. Para José Afonso da Silva, somente os estrangeiros residentes no Brasil gozariam dos direitos fundamentais, conforme indicado no art. 5º da Constituição Federal. Esse posicionamento se assenta no argumento de que o constituinte inseriu a expressão residentes no Brasil no texto constitucional de maneira proposital, para diferenciar estrangeiros residentes e não residentes. Em todo caso, não se nega que os estrangeiros não residentes são amparados por normas de direito internacional ou por outras normas infraconstitucionais.
O Supremo Tribunal Federal, de outro modo, entende que, com base na dignidade da pessoa humana, fundamento da República, mesmo os estrangeiros residentes fora do Brasil gozam da proteção dos direitos fundamentais. Nesse sentido, portanto, a vedação da extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião se aplica indistintamente aos estrangeiros residentes ou não residentes no Brasil. Sobre esse tema, a propósito, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 587.970, o Supremo Tribunal Federal firmou tese em Repercussão Geral no sentido de que, atendidos os requisitos constitucionais e legais, os estrangeiros residentes no país são beneficiários da assistência social, prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988.
De outro passo, o espólio é sujeito de direitos. Mesmo que o espólio não tenha personalidade jurídica, sua natureza de sujeito de direito lhe permite figurar nas relações processuais como parte, notadamente na defesa dos seus interesses, conforme indicado no art. 75, inciso VII, do Código de Processo Civil.
Segundo esse artigo, serão representados em juízo, ativa e passivamente: i) a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; ii) o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; iii) o Município, por seu prefeito ou procurador; iv) a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar; v) a massa falida, pelo administrador judicial; vi) a herança jacente ou vacante, por seu curador; vii) o espólio, pelo inventariante; viii) a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores; ix) a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens; x) a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil; xi) o condomínio, pelo administrador ou síndico.
Diversos outros dispositivos do Código de Processo Civil reconhecem a capacidade do espólio, a exemplo do art. 600, inciso I, que admite a propositura de demanda de dissolução parcial de sociedade pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade.
A prestação de assistência jurídica integral e gratuita deverá ser conferida a todos que comprovem insuficiência de recursos, independentemente de serem estrangeiros ou sujeitos de direito sem personalidade jurídica, como o espólio. Isso porque o acesso gratuito à justiça configura garantia fundamental de amplo alcance[3].
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o espólio tem direto ao benefício da justiça gratuita, desde que demonstrada sua hipossuficiência[4].
Esse entendimento foi adotado no seguinte julgado: “[…] PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. JUSTIÇA GRATUITA. PEDIDO INDEFERIDO. 1. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 2. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela inexistência do dano moral supostamente sofrido pelo falecido. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial. 3. A jurisprudência do STJ admite a concessão dos benefícios da justiça gratuita ao espólio, quando demonstrada sua hipossuficiência. Não demonstrada, indefere-se o pedido. 4. Agravo interno a que se nega provimento. […].[5]”
[1] “A evolução da concepção do termo “acesso à justiça” muito se equivale à evolução dos direitos e garantias fundamentais. Durante a ascensão da doutrina liberal burguesa, em que o individualismo prevalecia, o acesso à justiça era visto como acesso à proteção judicial, como direito formal da pessoa de propor ou contestar uma ação. Para o sistema liberal econômico, a justiça existia somente para quem poderia pagá-la, de forma que a igualdade era apenas formal.” RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://ift.tt/2N0doDo.
[2]Art. 5º […]LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito.
[3] Sobre o acesso à justiça confira: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
[4] Jurisprudência em Teses – Edição nº 149.
[5] AgInt no REsp 1350533/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2019, DJe 14/10/2019.
Admissibilidade de concessão dos benefícios da gratuidade processual ao estrangeiro e ao espólio foi publicado primeiro em: https://juristas.com.br
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