É devida indenização ao cliente pela perda de prazo: responsabilidade civil do advogado e teoria da perda de uma chance
Atualmente existem formas de acompanhar prazos processuais que facilitam a rotina da advocacia. E a adoção de ferramentas para a gestão na advocacia tem se tornado essencial para isso. Contudo, a perda de prazo continua a ser um dos grande medos dos profissionais, sobretudo quando começam a ver o número de processos aumentar. E quando se trata de escritórios de advocacia, a preocupação aumenta ainda mais, já que também a responsabilidade é distribuída entre os colaboradores. Mostramos, entretanto, que há formas de realizar esse controle e quais as consequência da perda de um prazo.
Código de Ética da OAB e perda de prazo na advocacia
O zelo com a atividade profissional é algo demandado em todas as profissões. Ocorre que, em algumas situações, a negligência – ou mesmo erros comuns ao ser humano que não cheguem a configurar uma negligência – pode ocasionar consequências irreparáveis. É o caso de perda de prazo em um processo.
No caso de um processo judicial, existem diferentes situações, que serão abordadas mais adiante, como aquelas causa em que a probabilidade de perda era nítida, assim como o contrário. De todo modo, são interesses do cliente que estão em jogo. E alguns interesses podem representar um papel significativo na vida dos interessados.
De todo modo, não bastasse a consciência geral de um dever diante do serviço prestado, o Código de Ética da OAB também estabelece o zelo como uma obrigação aos advogados e advogadas. Dessa maneira, prevê o art. 15 do Código de Ética:
Art. 15. O advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo as causas sob seu patrocínio, sendo recomendável que, em face de dificuldades insuperáveis ou inércia do cliente quanto a providências que lhe tenham sido solicitadas, renuncie ao mandato.
De igual modo, o parágrafo único do art. 2º, dispõe que:
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando
pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia;
II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade,
dignidade e boa-fé;
III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
Erros são humanos, é claro. Contudo, é preciso agir de modo a minimizar a possibilidade desses erros, inclusive para evitar consequências negativas à imagem do profissional, entre outras possíveis. Há casos, por exemplo, em que o advogado é obrigado a indenizar o cliente. Antes, entretanto, é preciso analisar algumas teorias imprescindíveis à prática.
O que acontece se o advogado perde o prazo?
Em primeiro lugar, perder um prazo, por si, não é obrigatoriamente negativo. E como para quase tudo relativo ao Direito, a resposta ao que acontece se um advogado perde o prazo é “depende”. Depende, porque depende do contexto desse prazo. Ou seja, da natureza, do objeto e das consequências desse prazo.
A perda do prazo de uma contestação, por exemplo, pode implicar na revelia do réu. Esta por sua vez, em conformidade ao art. 344 do Novo CPC, gera a presunção de veracidade. Portanto, é a perda do momento de defesa, o que pode levar o réu à perda da ação em julgamento antecipado do mérito.
A perda do prazo nas alegações finais, por outro lado, talvez não seja tão impactante a um processo quando à perda na contestação. Afinal, apesar de ser uma nova tentativa de convencimento do juízo, todas as provas e argumentações, de modo geral, já foram produzidas. E é vedada, de igual modo, a produção de novas provas ou alegações neste momento.
Indenização por perda de prazo processual
Como observado, portanto, os impactos da perda de prazo processual dependem do momento e da própria ação em concreto. Assim também, o dever de indenizar dependerá das consequências. Quando, então, a perda de um prazo gera indenização ao cliente?
Para entender a questão da indenização, é preciso, antes, explicar questão de responsabilidade civil do advogado ou advogada patrono da causa, mas também a teoria da perda de uma chance na prática jurídica brasileira.
Em primeiro lugar, no que concerne ainda à responsabilidade civil, o art. 927 do Código Civil dispõe que:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
E para compreender os reflexos do mencionado artigo, traz-se, então, a definição de ato ilícito do art. 186 do Código Civil, segundo o qual:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Responsabilidade civil pela perda de prazo e teoria da perda de uma chance
Como visto, portanto, a negligência pode configurar um ato ilícito nos moldes do art. 186 do Código Civil. Ocorre que o ar. 927 do Código Civil também fala de danos causados a outrem. A discussão da responsabilidade do advogada diante da perda de prazo e do dever de indenizar é que o direito violado é um direito à prestação de um serviço com zelo, mas o dano pela perda do processo não é causado, na maioria das vezes, diretamente pela negligência do profissional.
Apesar disso, é indiscutível que a perda de prazo pode gerar, sim, indiretamente um dano relacionado à perda de um processo. No caso, da contestação, por exemplo, fica bastante visível a importância do atendimento ao prazo. Cabe lembrar, no entanto, que também a parte autora pode ter um advogado patrono em sua causa. E a perda do prazo pode implicar na perda de um direito de seu interesse.
É com base nisso que o dever de indenização por advogados e advogadas tem se apoiado na teoria da perda de uma chance. Nas palavras do colunista Rafael Brasil, assim:
[…] a teoria da perda de uma chance trabalha com a reparação de danos (seja de qualquer ordem, moral ou material) naqueles casos onde há a inviabilidade, por culpa do agente lesionador, de que a vítima tenha determinado resultado esperado, impedindo-a de conquistar um benefício. A dificuldade se encontra justamente no fato de saber se a vítima iria conseguir o resultado esperado ou não.
Jurisprudência sobre perda de prazo na advocacia
É necessário, portanto, entender qual, de fato, é o impacto da perda de prazo para a insucesso de um cliente. Afinal, o advogado não é responsável pela perda da ação e deve, inclusive, deixar claro ao cliente os riscos a que ele está exposto. Contudo, enquanto meio de acesso à justiça, a forma de sua atuação pode influenciar a probabilidade de ganho ou de perda da ação – daí, então, o risco sobre a “chance”.
É preciso, portanto, compreender o grau de negligência do profissional, assim como a natureza do prazo. E a jurisprudência brasileira caminha, então, também nesse sentido.
Veja, por exemplo, parte da ementa de recente acórdão do STJ, que remete a entendimento já de 2012:
Nos casos “de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da ‘perda de uma chance’ devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico”. Assim, “o fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso (…) não enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade – que se supõe real – que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida” (REsp 993.936/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/3/2012, DJe 23/4/2012).
(STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1492872/PR, Rel. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/03/2020, publicado em 16/03/2020)
Como evitar a perda de prazos processuais
A perda de prazo está diretamente relacionada à sobrecarga dos profissionais e à gestão do escritório. A realidade da advocacia comporta um número grande de processos, andamentos e intimações, aos quais se juntam atividades e estratégias administrativas, atendimento a clientes e, claro, vida pessoal.
O que se recomenda, desse modo, é investir na organização do escritório para que o tempo seja otimizado e para que haja maior segurança no controle dos prazos.
Entre as ferramentas possíveis, estão planilhas jurídicas e softwares de gestão. As primeiras, embora também benéficas, ainda dependem de um controle manual dos colaboradores do escritório. Ou seja, entrar em todos os tribunais para a conferência manual e depois lançar no documento, o que também expõe o profissional ao risco de erros humanos.
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