quinta-feira, 9 de julho de 2020

Entenda a Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento

Em 2003, o Governo Federal estabeleceu uma política de controle de armas com o objetivo de reduzir a sua circulação e estabelecer penas mais rigorosas para os crimes de porte ilegal e contrabando, criando assim a Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento. Porém, 13 anos depois, em 2016, o Brasil conquistou o 1º lugar no ranking, em números absolutos de mortes decorrentes do uso de armas, seguido pelos Estados Unidos e Índia em 2º e 3º lugar, respectivamente.

Só em 2016, 43,2 mil pessoas foram mortas e, no ano seguinte, em 2017, esse número aumentou para 47.510. O que nos faz questionar sobre as diretrizes do próprio Estatuto do Desarmamento. Afinal, não é para proibir a venda de armas e munição? Os números não deveriam diminuir? 

Neste artigo, vamos falar sobre o histórico deste tema, incluindo a recente alteração em relação à posse de armas. Continue sua leitura até o final e não esqueça de contribuir com seu comentário para enriquecermos ainda mais a nossa discussão. 

Antes do Estatuto do Desarmamento 

No Brasil, antes de 2003, uma pessoa maior de 21 anos poderia ir ao cinema, shopping, bares, festas e parques portando armas. Isso porque, por muito tempo, esse era o “normal”, já que não havia muita burocracia para comprar um revólver ou uma pistola. 

A ideia da população era ficar armada para se “proteger” contra a violência, porém, segundo os dados do Ministério da Saúde e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre os anos de 1980 a 2003, as taxas de homicídios subiram 8% ao ano. Diante disso, no ano de 1996, o Distrito do Jardim Ângela, em São Paulo, foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o lugar mais violento do mundo, com um número de 116,23 assassinatos para cada 100 mil habitantes.

Assim, percebe-se que o Brasil não tinha um controle sobre as armas, como um registro a nível nacional, por exemplo, de modo que o acesso era praticamente irrestrito. Com os índices alarmantes de mortes decorrentes de arma de fogo, começou-se toda uma discussão que durou anos até que foi aprovada no Congresso a Lei 10.826/03- Estatuto do Desarmamento. 

Um movimento que auxiliou para que o Estatuto fosse aprovado no Congresso foi a “marcha silenciosa”. Neste protesto,foram utilizados sapatos de vítimas de arma de fogo, no qual cada sapato colocado em frente ao Congresso Nacional possuía o nome e a idade de uma das vítimas. 

Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento 

A Lei 10.826/03 trouxe algumas mudanças, principalmente em relação à compra e o porte de armas. Estipulou, também, penas mais duras para o porte ilegal e instituiu um Sistema Nacional de Registro de Armas (SINARM) no âmbito da Polícia Federal, responsável por conceder e controlar as armas em todo território nacional.

Então, já dá para perceber que sim, existe a possibilidade de uma  pessoa possuir uma arma. Assim, o que realmente mudou foi a forma de como é feito esse processo de concessão. Para melhor entendimento, é preciso ter em mente que o porte de arma não se confunde com o direito à posse.

O porte de arma diz respeito a uma autorização para que o cidadão possa andar armado. Mas, em regra, segundo o artigo 6º da Lei nº 10.826 de 2003, o porte é proibido, sendo possível para um agente de segurança, membro das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada.

Contudo, ainda assim, se indivíduos que não fazem parte das exceções ao artigo 6º quiserem ter o direito ao porte, é possível fazer um requerimento junto à Polícia Federal. Para isso, essas pessoas apresentam os documentos necessários previstos em lei e, além disso, devem demonstrar a efetiva necessidade de se armar, seja ela por atividade profissional de risco ou ameaça às suas integridades físicas.

 Assim, é possível dizer que o porte de arma tem natureza jurídica de autorização, sendo unilateral (formado pela vontade de só uma pessoa), precária (pode ser revogado a qualquer tempo) e discricionária (liberdade de escolha tendo em vista a conveniência e oportunidade para sua realização). 

Contudo, quando se fala em posse de arma é uma situação um pouco diferente, embora também se trata de uma autorização. Nesse caso é para comprar e manter uma arma de fogo e munição em casa ou no local de trabalho, o que não o autoriza a andar com a arma pela rua. 

Compra de armas 

Em 2005, a população brasileira foi às urnas para votar no primeiro referendo popular no Brasil sobre o artigo 35 do Estatuto, que proibia a venda de armas e munições para civis. No final da votação, a população escolheu com 64% dos votos a permanecer com o direito à comercialização. 

Então, o Estatuto do Desarmamento não proibiu a comercialização de armas no Brasil, mas sim estabeleceu regras e requisitos que devem ser cumpridos se uma pessoa quiser possuir uma arma. 

Tais requisitos, em sua maioria, estão previstos no artigo 4º do Estatuto, vejamos: 

  1. Ter ao menos 25 anos ou mais (art.28); 
  2. A arma precisa ser de calibre permitido; 
  3. Comprovar sua idoneidade;
  4. Possuir ocupação lícita e residência fixa;
  5. Aptidão psicológica; 
  6. Possuir capacidade técnica para manejar uma arma; 
  7. Ter a efetiva necessidade de ter a arma. 

Assim, de acordo com a Lei 10.826/03, é proibido que civis com menos de 25 anos de idade adquiram armas de fogo. Para quem tem idade mínima possível, é preciso que comprovem, por meio de certidões como a de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Eleitoral, Justiça Estadual, Justiça Militar e Justiça Eleitoral a sua idoneidade. 

Ademais, para quem deseja adquirir uma arma, é preciso ter uma ocupação lícita que possa ser comprovada com a carteira de trabalho ou contracheque. E também, que tenha uma residência fixa, demonstrando-a com uma conta recente de luz ou água em seu nome. 

A aptidão psicológica é imprescindível, porque diz respeito a um laudo emitido por profissionais da área psicológica e com credenciamento na Polícia Federal. Outro ponto importante é a capacidade de manejar uma arma, ou seja, é necessário passar por um curso de manuseio e, posteriormente, enfrentar uma prova que se subdivide em duas etapas: uma teórica e outra prática. 

Um ponto bastante discutido é no que tange à efetiva necessidade. O Estatuto do Desarmamento determina que seja comprovada a razão de se possuir uma arma, ou seja, a pessoa tem que se justificar à Polícia Federal, na qual são explicados os motivos pelos quais ela precisa daquele armamento. 

Como já dito, é um ponto bastante discutido, porque é de extrema subjetividade e, no final, é a própria polícia que irá analisar as razões fornecidas de quem deseja possuir um armamento e irá dizer se aquela justificativa enseja a concessão ou não da posse de arma. Inclusive, a efetiva necessidade foi objeto de um dos decretos feitos pelo Presidente Bolsonaro, mas que logo em seguida foi revogado.

O decreto 9.685/2019 estabelecia que “presume-se verdadeira” a alegação de “efetiva necessidade” de ter uma arma, ou seja, ele retirava da Polícia Federal o papel de averiguar as informações prestadas por quem deseja possuir. No entanto, esse decreto foi revogado um dia antes de ser julgado pelo STF o seu pedido de anulação. Isso porque o Estado não pode renunciar a sua discricionariedade, isto é, não pode abrir mão de praticar determinados atos administrativos. 

O novo texto mantém a necessidade de se justificar para a Polícia Federal e reitera a necessidade de uma declaração da existência de um lugar seguro para guardar a arma.

Dos Crimes 

O Estatuto define como sendo crime a posse irregular de arma de fogo (art. 12), visando punir quem não cumpriu com as exigências legais para ter direito à posse. Ou seja, a pessoa que não passou pelo processo de concessão e, ainda assim, por meio irregular mantém a posse de arma de fogo em sua residência ou em estabelecimento comercial em seu nome. 

Ao passo que o porte ilegal está estipulado no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento e diz respeito a quem carrega consigo arma de fogo, que transporta, sem ter a autorização. 

As penas não são as mesmas, justamente por se tratarem de crimes diferentes e, levando em conta que o porte possui muito mais restrições para a sua concessão do que a posse, a pena é maior. No primeiro caso, a pena é de detenção de 1 a 3 anos, já o no segundo é de reclusão 2 a 4 anos. 

Mas não para por aí, o Estatuto ainda tipifica temas como o disparo de arma de fogo em locais públicos, o comércio ilegal e seu tráfico internacional. Tudo isso tentando conter o uso irrestrito das armas de fogo no Brasil e, consequentemente, diminuir os índices de violência no território nacional. 

Aulas de tiros para menores 

Como vimos, o Presidente à época Jair Messias Bolsonaro, editou um decreto que foi revogado, mas posteriormente editou outro  decreto,  que também altera alguns pontos da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento. Uma das alterações foi a possibilidade de adolescentes, com idade entre 14 e 18 anos, fazerem aulas de tiro, mas para isso é preciso que o responsável pelo menor autorize. 

Mas como funcionava antes do decreto? Bom, havia sim essa previsão de menores poderem fazer aulas de tiro, contudo, antes era necessário uma autorização judicial. Agora, como já mencionado, basta uma autorização de quem seja responsável da criança ou adolescente.   

O que não mudou foi o fato de que a aula deve ser autorizada pelo comando do exército, e que a arma deve ser a do clube de tiro onde está sendo praticado ou pode ser a de quem seja responsável pelo menor caso ele estiver presente na aula. 

Armas em propriedades rurais 

Antes do decreto nº 9.847/19, a arma deveria ser mantida no interior da residência ou no domicílio em propriedades rurais e, com a aprovação da Lei 13.870/2019,  Bolsonaro amplia esse espaço, veja:

§ 5º  Aos residentes em área rural, para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel rural.

Assim, a lei aprovada, que possui um texto bastante semelhante ao decreto nº 9.845/2019, entende que quem está na zona rural, que tiver a posse de uma arma, poderá andar com ela por toda a extensão da sua propriedade, e não tão somente na área edificada. Lembrando que posse é o direito de manter a arma dentro de casa. 

Números de armas e prazos 

O decreto nº 9.785/2019 ampliava não só as potências das armas que poderiam ser classificadas como uso permitido, como também aumentava a validade do Certificado de Registro (CR) de colecionador expedido pelo Comando do Exército, de 3 para 10 anos. 

Além disso, definiu a priori que pessoas comuns e colecionadores poderiam possuir até 5 armas de fogo e 5 mil munições anuais por arma. Contudo, como já mencionado, o decreto nº 9.785, acabou sendo revogado pelo próprio presidente, mas a ampliação da potência foi mantida, assim como a validade de 10 anos do Certificado de Registro, por meio do decreto 9.847, que está vigente. 

Contudo, houve uma mudança no que diz respeito à quantidade de armas, porque nesse último decreto (nº 9.847), cita-se limites apenas para quem coleciona, atira e caça, e não diz nada sobre as demais categorias. 

Cronologia 

Quando se fala sobre a Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, como você pode perceber, estamos falando de vários decretos editados no ano de 2019, o que pode causar uma série de confusões. Em seis meses de governo, foram 7 decretos sobre posse e porte de armas no Brasil.

 Pensando nisso, desenvolvemos uma ordem cronológica para te ajudar a entender:

  • 15 de janeiro 

Decreto nº 9.785, como foi visto, mantinha a exigência da efetiva necessidade, mas estabelecia situações concretas em que se verificaria a “efetiva necessidade”, de modo que se a pessoa se enquadrasse em alguma das hipóteses, seria presumido verdadeira a sua alegação. 

  • 07 de maio 

Retificação ao Decreto nº 9.785, no qual o Chefe do Executivo flexibiliza o porte de armas no país. Além disso, ele permite a  posse de arma de fogo por quem tem propriedade rural, além de utilizá-la em todo perímetro da propriedade, como vimos. 

  • 22 de maio 

Decreto nº 9.797, altera alguns pontos, como idade mínima por menores de idade praticarem tiro esportivo. 

  • 25 de junho 

No dia 25 de junho, o presidente revogou dois decretos (nº 9.785 e 9.797) e editou mais 3: 

  • 9.844 → Dispunha sobre a aquisição, cadastro, registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição. Revogado pelo decreto nº 9.847
  • 9.845 → Regulamenta lei sobre a aquisição, o cadastro, o registro e a posse de armas de fogo e de munição
  • 9.846 →  Diz respeito ao registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por quem caça, coleciona e atira.

Então, a Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento é um tema bastante controverso. Algumas pessoas, por exemplo, entendem que a arma de fogo seria sim uma proteção contra a violência e ressaltam que países, como os Estados Unidos por exemplo, permitem que indivíduos possuam uma arma em casa, como garantia de segurança. Outras pessoas não acreditam tanto nessa ideia, uma vez que relacionam à violência e circulação de armas. Assim, com o aumento da violência há, consequentemente, o aumento de mortes e violência. 

E você, o que acha? A população deveria possuir o direito ao porte de armas de forma irrestrita ou não? 

Conte para a gente nos comentários!


Entenda a Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento publicado primeiro em: https://blog.juriscorrespondente.com.br

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