quinta-feira, 16 de julho de 2020

A Recuperação Judicial e a Falência na esfera trabalhista

A Recuperação Judicial e a Falência são institutos jurídicos próprios do Direito Empresarial, caracterizando como espécies do gênero Direito Concursal.

Ambos ganham especial relevância no momento da pandemia da COVID-19, especialmente a Recuperação Judicial. Isto porque, seu regramento, previsto na Lei n. 11.101/05, objetiva a manutenção da atividade empresarial, dos empregos e o recebimento dos valores pelos credores. Para tanto, a referida legislação traz normas especiais, que possibilitam a realização de tais objetivos.

A empresa Boa Vista SCPC, que monitora dados acerca de Falência e Recuperação Judicial, divulgou, no dia 08 de julho de 2020, que os pedidos de Recuperação Judicial, que aumentaram exponencialmente, como mostra a tabela abaixo:

Ao se analisar a tabela, não resta dúvida de que este crescimento é reflexo direto da pandemia da COVID-19. 

Outro dado relevante diz respeito ao levantamento de que mais de 90% das empresas, que pediram Falência ou Recuperação Judicial nos últimos 12 meses, são de pequeno porte, como se infere da tabela abaixo, também elaborada pela Boa Vista SCPC:

Como já era de se esperar, o segmento mais afetado nos últimos 12 meses foi o de serviços:

Neste contexto de dificuldade financeira acarretada pela pandemia da COVID-19, estima-se que poderão ocorrer até 7.000 pedidos de Recuperação Judicial no ano de 2020. O recorde nacional é de 1.863 pedidos, no ano de 2016. Veja abaixo:

A situação atual nos conduz à necessidade de aprofundamento do estudo da Recuperação Judicial e Falência, notadamente no campo trabalhista, onde, muitas vezes, são de certa forma ignorados. Desta forma, os reflexos no Direito e no Processo do Trabalho são muito relevantes. 

     Antes de analisar alguns deles, não se pode deixar de citar o inciso IV, do art. 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). Ele dispõe que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil são “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

Será que esses valores, aparentemente antagônicos, estão no mesmo inciso do texto constitucional por mero acaso? Com certeza não! O legislador constituinte, de forma proposital, explicitou ambos valores, lado a lado, para registrar que um não exclui o outro. 

A livre iniciativa, o capital, não podem acarretar a extinção dos valores do trabalho. Eles devem harmonizar-se e não um prevalecer sobre o outro. 

O intuito do legislador constituinte fica absolutamente claro quando se analisa o disposto no art. 170, da CRFB/88:

Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
(…)
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;

Como se infere, a ordem econômica nacional tem dois pilares: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. A economia, portanto, não pode deixar de lado a importância do trabalho, devendo assegurar a toda sociedade uma existência digna, pautado pela justiça social.

Ademais, os objetivos do desenvolvimento econômico são assegurar o desenvolvimento, a redução de desigualdades e o pleno emprego.

Neste espírito, foi editada a Lei n. 11.101/05 (citada anteriormente), que rege a Recuperação Judicial e a Falência.

O trabalho, portanto, é o cerne da nossa sociedade, razão pela qual não pode ser relegado a segundo plano.

A principal controvérsia relativa ao universo trabalhista diz respeito à existência de sucessão trabalhista quando se adquire um estabelecimento ou uma Unidade Produtiva Isolada (art. 60, da Lei n. 11.101/05), isto é, o adquirente será responsável pelo passivo trabalhista do que adquiriu?

O art. 10, da CLT, dispõe que a alteração da estrutura jurídica da empresa não afeta o contrato de trabalho, nem os direitos adquiridos pelos trabalhadores. Dessa forma, continuam a ser empregados, como se nada tivesse acontecido. Esta, inclusive, é a redação do art. 448, da CLT.

Entretanto, o art. 448-A, do texto celetista, incluído na CLT por força da “Reforma Trabalhista” (Lei n. 13.467/17), cita que “caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.” 

Em uma situação de aquisição da uma empresa, tem-se, indubitavelmente, que a regra é que o comprador assume o passivo trabalhista.

Assim, pergunta-se: quem irá adquirir uma empresa (ou parte dela) que está em recuperação judicial se ficar responsável pelo passivo trabalhista?  Não resta dúvida de que a previsão na CLT traz um obstáculo para a ocorrência deste negócio jurídico.

Ocorre que a interpretação jurídica tem que ser ampla. Não se pode deixar de lado na análise da responsabilidade pelo passivo trabalhista as disposições da Lei n. 11.101/05. O seu art. 60 dispõe:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta lei.

O texto não é claro acerca da responsabilidade acerca das obrigações trabalhista. Pode-se imaginar, então, que no caso de dívida trabalhista aplica-se o disposto no art. 448-A?

A resposta está no art. 141, da Lei n. 11.101/05, mais especificamente em seu inciso II:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
§ 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.”

Diante do exposto, a jurisprudência trabalhista já se consolidou no sentido de aplicar o disposto no mencionado art. 141, inciso II, ou seja, não há responsabilidade do adquirente quando esta aquisição se dá no contexto de Recuperação Judicial.

O presente artigo não tem a pretensão de esgotar todas as implicações da Recuperação Judicial e da Falência no Direito do Trabalho e no Direito Processual do Trabalho, mas apenas trazer à tona um debate que é tão caro aos tempos atuais.

Neste cenário, é inevitável que também nos debrucemos sobre diversas outras questões, como as seguintes:

  • Como fica a caracterização de grupo econômico quando há a criação de empresas com o objetivo de adquirir estabelecimento ou Unidade Produtiva Isolada da empresa em Recuperação Judicial?
  • Em reclamação trabalhista em curso é possível redirecionar a execução em face dos sócios da empresa em Recuperação Judicial ou outras empresas que fazem parte do seu grupo econômico?
  • Em reclamação trabalhista em curso é possível redirecionar a execução em face de outra executada, condenada subsidiariamente, simplesmente pelo fato de a devedora principal ter requerido a Recuperação Judicial?
  • Qual o alcance do juízo universal da Recuperação Judicial ou da Falência em matéria trabalhista?
  • Quais são as regras atinentes ao depósito recursal em relação a empresas que estão em Recuperação Judicial ou da Falência?
  • Como fica o depósito recursal que é feito em reclamação trabalhista quando, no curso da ação judicial, a empresa requer a Recuperação Judicial? Ele pode ou não ser utilizado para satisfação do crédito do trabalhador ao término do processo judicial?
  • A suspensão de 6 meses das ações contra o falido atinge as reclamações trabalhistas?
  • As empresas em Recuperação Judicial ou que requereram Falência têm que realizar a garantia do juízo na fase de execução?
  • O credor trabalhista tem legitimidade processual para requerer a falência da empresa?

Diante do exposto, resta evidente a interdisciplinaridade do Direito, o que demanda não apenas o estudo aprofundado dos seus ramos específicos, mas também os seus reflexos e interações. 

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Este artigo foi realizado em parceria com Júlio Baía, que é advogado, professor, mestre em Direito do Trabalho e idealizador do projeto Descomplicando o Direito do Trabalho, que fornece conhecimentos práticos para estudantes e profissionais na aplicação correta na área. 


A Recuperação Judicial e a Falência na esfera trabalhista publicado primeiro em: https://blog.juriscorrespondente.com.br

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